“Eu sou seu filho. Você cuida de mim?” Vítor repetia essa pergunta rotineiramente, sempre ao voltar da escola. “Ele percebia que era diferente das outras crianças”, lembra Gricelde Thomaz
Guidi. Vítor manifestara os primeiros sinais da gangliosidose GM1 – uma doença genética rara que provoca progressivas perdas cognitivas e motoras – aos 4 anos e meio. Não tinha mais firmeza nas mãos nem nas pernas. Já não podia escrever ou desenhar e começou a levar tombos com frequência. Vítor nunca conseguiu aprender, por exemplo, a andar de bicicleta. Passou por cinco longos anos de exames e terapias até que os médicos fechassem o diagnóstico. “Era uma guerra contra o desconhecido”, conta o pai, Adolfo Guidi. “Gastamos tudo o que tínhamos e o que não tínhamos.” A família vendeu carros, entrou no cheque especial, estourou o cartão de crédito, parou de pagar as prestações da casa. Para piorar, num dos períodos mais difíceis da enfermidade, Adolfo ficou desempregado.
Os Guidi só não foram despejados porque cruzaram o caminho de Anne Karina Amador Costa, uma juíza federal de 39 anos, mãe de três garotos, que tomou uma decisão inusitada. Ela recorreu ao fundo pecuniário da Vara Criminal de Curitiba, que administra o montante pago à Justiça por condenados na capital paranaense, e determinou a quitação do imóvel. “Esse dinheiro, em geral, é destinado a projetos assistenciais, para o auxílio a pessoas carentes. Por que, então, não usá-lo para ajudar essa família?”, pondera a juíza. Apesar de a Caixa Econômica Federal ter dispensado os juros e a correção monetária, o que reduziu a dívida de R$ 117 mil para R$ 48 mil, os Guidi não teriam condições de saldá-la. “Se eles perdessem a casa, não poderiam cuidar do filho e o pai também não teria mais onde trabalhar”, alega Anne Karina. “Foi uma decisão surpreendente e inédita no Brasil”, afirma Martin Roeder Filho, advogado da família.
A juíza se sensibilizou porque, numa das audiências, Adolfo foi acompanhado do filho e pediu permissão para explicar as razões da inadimplência. Contou que, quando perdeu o emprego, passou meses mergulhado na internet e nos livros estudando a enfermidade de Vítor. E que, diante da dificuldade de se recolocar no mercado e da dependência crescente do menino, decidiu abandonar a carreira de engenheiro mecânico para se dedicar exclusivamente a ele. Adolfo montou uma pequena oficina de automóveis no quintal da residência para acompanhá-lo de perto. Ganha R$ 800 por mês – cerca de 15% do salário que recebia como engenheiro. O valor, somado ao que Gricelde tira na função de costureira e bordadeira, mal dá para as despesas básicas da casa. “Levamos uma vida muito regrada”, afirma Gricelde.
Vítor tem 21 anos, cerca de 1,65 m de altura e pesa mais de 60 quilos. À medida que foi crescendo, se tornou cada vez mais penoso para a mãe ficar sozinha com ele. “É difícil tirá-lo da cama. Vítor também gosta muito de brincar no chão, mas eu não tenho força para colocá-lo na cadeira de rodas”, afirma Gricelde. “Uma vez, quase o derrubei no banho.” Durante um período da doença, enquanto Adolfo trabalhava fora, era Gricelde que tinha de dar conta do menino e da caçula Gabrielle, hoje com 12 anos. “Era muito sofrimento. Vítor é como um bebê. Não fala. Baba o tempo todo. Coloca tudo o que encontra na boca. Se está sol, fica na cadeira de rodas, no quintal. Se está calor, fica deitado na rede”, diz a mãe. À tarde, Adolfo leva Vítor e Gabrielle à escola. Todos a bordo de um Fiat Prêmio azul-marinho, ano 1986, que praticamente se arrasta pelas ruas da cidade.
Vítor tem 21 anos, cerca de 1,65 m de altura e pesa mais de 60 quilos. À medida que foi crescendo, se tornou cada vez mais penoso para a mãe ficar sozinha com ele. “É difícil tirá-lo da cama. Vítor também gosta muito de brincar no chão, mas eu não tenho força para colocá-lo na cadeira de rodas”, afirma Gricelde. “Uma vez, quase o derrubei no banho.” Durante um período da doença, enquanto Adolfo trabalhava fora, era Gricelde que tinha de dar conta do menino e da caçula Gabrielle, hoje com 12 anos. “Era muito sofrimento. Vítor é como um bebê. Não fala. Baba o tempo todo. Coloca tudo o que encontra na boca. Se está sol, fica na cadeira de rodas, no quintal. Se está calor, fica deitado na rede”, diz a mãe. À tarde, Adolfo leva Vítor e Gabrielle à escola. Todos a bordo de um Fiat Prêmio azul-marinho, ano 1986, que praticamente se arrasta pelas ruas da cidade.
Apesar dos problemas, quem conhece os Guidi sabe que eles não são de ficar reclamando. Num dos picos de agravamento da doença, Adolfo saiu para passear com Vítor e viu o filho, de repente, ficar com os músculos todos contraídos, pálido e sem expressão. “Foi uma crise em que ele perdeu muitos neurônios”, lembra Adolfo. Os médicos não sabem explicar por que, depois de 17 anos dos primeiros sintomas da gangliosidose GM1, Vítor continua vivo. Adolfo acredita que a alimentação especial, rica em vitaminas e cálcio, e a ingestão de uma enzima manipulada tenham ajudado a frear a evolução do quadro. De acordo com a literatura médica mundial, a sobrevida de quem sofre do tipo 2 da doença, o mesmo de Vítor, é de três a dez anos. “Ninguém morre de uma doença cerebral. Mas em decorrência de outros problemas, como pneumonia ou outras infecções”, explica Laura Bannach Jardim, chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. “Esse rapaz está vivo porque está sendo muito bem cuidado.”
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