domingo, 8 de maio de 2022

CARMELITA

O ar quente pairava pesado na pequena capela do cemitério. Os que tinham leques usavam-nos para refrescar-se. Havia muita gente. As poucas cadeiras colocadas foram logo ocupadas. Eu encontrei um canto vazio de um lado e fiquei ali de pé, observando meu primeiro funeral brasileiro.

Sobre suportes no meio da capela tinha sido colocado o caixão e nele o corpo de uma mulher morta num acidente de carro na véspera. O nome dela era Dona Neusa. Eu a conhecia por ser mãe de um de nossos primeiros convertidos, Cesar Coutinho. Ao lado do caixão: Cesar, sua irmã, outros parentes e alguém muito especial com o nome de Carmelita.

Ela era uma mulher alta, de pele escura, quase negra. Naquele dia seu vestido era simples e seu rosto solene. Ela olhava fixamente para o caixão com seus olhos castanhos e fundos. Havia algo de nobre na maneira como ficava ali de pé ao lado do corpo. Ela não chorava aberta-mente como os demais. Nem procurava consolo com os outros enlutados. Ela só ficou ali, curiosamente quieta.

Na noite anterior eu acompanhara Cesar na delicada missão de contar a Carmelita que Dona Neusa morrera. Enquanto nos dirigíamos para a casa dela, ele explicou-me como Carmelita fora adotada em sua família.

Mais de vinte anos antes, a família de Cesar visitara uma pequena cidade no interior do Brasil. Eles encontraram ali Carmelita, uma órfã de sete anos, vivendo com parentes pobres. A mãe dela tinha sido uma prostituta. Ela nunca conhecera o pai. Depois de ver a criança, Dona Neusa sentiu-se comovida, sabendo que se não interferisse, a pequena Carmelita estava condenada a uma vida sem amor nem atenção. Por causa da compaixão de Dona Neusa, Cesar e sua família voltaram para casa com um novo membro.

Enquanto eu me encontrava ali na capela funerária e olhava para o rosto de Carmelita, tentei imaginar as suas emoções. Como a vida dela tinha mudado. Fiquei pensando se a sua mente revivia as lembranças da infância quando subira num carro e se afastara para viver com uma família estranha. Num momento ela não tinha amor, um lar, nem um futuro; no momento seguinte obtivera essas três coisas.

Meus pensamentos foram interrompidos pelo ruído de pés se arrastando. O velório terminara e as pessoas deixavam a capela para assistir ao enterro. Por causa de minha posição, bem no canto do prédio, fui o último a sair. Ou pelo menos pensei que fora. Enquanto andava ouvi uma voz suave atrás de mim. Voltei-me e vi Carmelita chorando silenciosamente ao lado do caixão. Comovido, parei na porta da capela e assisti o seu tocante “adeus”. Carmelita estava sozinha pela última vez com sua mãe adotiva. Havia sinceridade em seus olhos. Era como se ela tivesse uma tarefa final a cumprir. Ela não se lamentou em voz alta, nem gritou de dor. Simplesmente inclinou-se sobre o caixão e o acariciou ternamente como se fosse o rosto da mãe. Com lágrimas silenciosas caindo sobre a madeira polida ela repetiu várias vezes, “Obrigada, obrigada”.

Uma despedida final de gratidão.

Ao voltar para casa pensei que nós, de muitas formas, somos como Carmelita. Nós também somos órfãos amedrontados. Nós também não tínhamos nem ternura nem aceitação. E nós também fomos resgatados por um visitante compassivo, um pai generoso que nos ofereceu uma casa e seu nome.

Nossa resposta deveria ser exatamente a mesma de Carmelita, uma reação comovente de gratidão sincera pela nossa libertação. Quando ninguém mais daria por nós nem sequer o tempo de um dia, o Filho de Deus nos deu o tempo de nossa vida!

Nós também deveríamos nos colocar na companhia silenciosa daquele que nos salvou, e chorar lágrimas de gratidão, oferecendo palavras de agradecimento. Pois não foram nossos corpos que ele resgatou, mas nossas almas.

Max Lucado

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