quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

GARDÊNIAS BRANCAS

Desde que completou doze anos, Aline passou a receber, anonimamente, gardênias brancas em seus aniversários, uma a cada ano... Não vinham com cartões, nem com bilhetes e nem tampouco traziam a identificação da floricultura de onde vinham. A garota já não sabia mais o que fazer para tentar descobrir a origem das flores, e a sua curiosidade era crescente na medida em que iam se acrescentando anos à sua idade... Depois de algum tempo, ela já não tentou mais desvendar quem poderia ser o tal misterioso remetente, apenas se deleitava com a beleza e com o perfume estonteante daquela única flor mágica e perfeita, aninhada sob as camadas de um papel de seda especial cor-de-rosa.

No fundo, no fundo, ela nunca deixou de imaginar quem poderia ser o galanteador oculto, e alguns de seus momentos mais felizes foram passados sonhando acordada com aquele alguém maravilhoso e excitante, que apesar de tímido ou excêntrico, mexia demais com o mais profundo do seu ser. Durante a adolescência ela se divertia especulando que o possível remetente fosse o garoto mais bonito do colégio, por quem ela secretamente esteve apaixonada, mas logo ela caia em si, pois ele nunca se aproximou e era totalmente frio e indiferente à sua pessoa...

Sua mãe frequentemente atiçava ainda mais as suas especulações. Queria saber se havia alguém a quem ela tivesse feito uma gentileza e que por isso, poderia estar dessa forma demonstrando o seu apreço e gratidão, e lhe forçava sempre a trazer pra memória momentos em que a filha tivesse sido solidária com alguém... O que sua mãe queria na verdade, era que seus filhos se sentissem também amados e queridos, não apenas por ela, mas pelo mundo como um todo.

Quando estava com dezessete anos, um rapaz que ela conhecera num cursinho, e que era muito bonito, corpo sarado, bom de conversa e conquistador, aproximou-se dela com o intuito de apenas se aproveitar dela. Ela estava encantada por ele, e quando percebeu suas intenções, ficou com o coração despedaçado. Na noite em que descobriu que ele era casado, chorou muito, a noite toda, sem conseguir pegar no sono. Quando saiu do quarto, pela manhã, havia uma mensagem escrita com batom vermelho no espelho do banheiro: "Alegre-se, quando os semideuses vão, Deus vêm." Ela pensou durante o dia todo a respeito daquela citação adaptada de Emerson e de como sua mãe foi capaz de se inspirar ao ponto de escrever algo tão profundo que fez seu coração sarar. Quando finalmente ela foi buscar o limpa-vidros, sua mãe constatara então que estava tudo bem novamente.

Mas houve certas feridas que sua mãe não pôde curar. Um mês antes de sua formatura no segundo grau, o pai dela morreu subitamente de enfarte, e ambas precisavam de socorro. Os sentimentos da moça variavam de dor a abandono, de medo a desconfiança e de uma decepção avassaladora por seu pai estar perdendo alguns dos acontecimentos mais importantes da sua vida. Ela perdeu totalmente o interesse na formatura que se aproximava, na peça de teatro da turma dos formandos e no baile de gala – eventos pelos quais ela havia trabalhado arduamente, e que esperava com ansiedade. Pensou até mesmo em entrar em uma faculdade local, ao invés de ir para outro estado como havia planejado, pois se sentiria mais segura.

Sua mãe, mesmo em meio à sua própria dor, não queria de forma alguma que ela faltasse a nenhuma dessas coisas. Um dia antes do velho morrer, ela e a filha tinham ido comprar um vestido para o baile e haviam encontrado um espetacular (metros e metros de musselina estampada em vermelho, branco e azul). Ao experimentá-lo, a garota se sentia como Scarlett O"Hara em “O Vento Levou...” Mas não era do tamanho certo e, quando o pai morreu no dia seguinte, esqueceu totalmente do vestido, ou de qualquer outro. Sua mãe, no entanto, não! E na véspera da formatura, lá estava o vestido, deslumbrante, e devidamente ajustado pra ela, no tamanho exato . Estava estendido majestosamente sobre o sofá da sala. Aline podia até não se importar em ter um vestido novo, mas sua mãe se importava. Ela estava atenta à imagem que seus filhos tinham de si mesmos.

Na verdade, Dona Ester queria que seus filhos se vissem como a gardênia - graciosos, fortes, perfeitos, com uma aura de magia e, talvez, um pouco, com um singelo ar de mistério.

Dona Ester morreu quando a filha estava com vinte e dois anos, apenas dez dias depois de ter se casado. E foi justamente nesse ano em que ela parou de receber gardênias.

“Tão somente guarda-te a ti mesmo, e guarda bem a tua alma, para que não te esqueças das coisas que os teus olhos viram, e que elas não se apaguem do teu coração todos os dias da tua vida; porém as contarás a teus filhos, e aos filhos de teus filhos” (Deuteronômio 4:9)

Silvana Lacerda
Fonte: www.webservos.com.br

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