segunda-feira, 11 de março de 2013

LEGADO


Eu era ainda praticamente um adolescente quando me fizeram a pergunta: o que você gostaria que estivesse no seu epitáfio? Um tanto mórbida, sim, mas viver ignorando a morte (a única coisa que atinge 100% dos seres humanos até hoje, com raras exceções nas Escrituras) é um tipo de cegueira difícil de justificar. Quem fazia a pergunta era uma psicóloga que comandava uma dinâmica de grupo e o grupo era grande e a sensação de todos aqueles olhos sobre mim provocava o estranho calor que sobe pelo pescoço e parece que queima as faces. "Amou e foi amado", eu disse, por fim. Eu era ainda praticamente um adolescente, mas agora, vinte anos depois e sem todos aqueles olhos sobre mim, reafirmo o acerto da resposta.

Sob o ponto de vista humano, poucos epitáfios seriam tão desejáveis quanto o de Hugo Chavez. Idolatrado por seu povo, neste momento há ainda filas quilométricas de excitadíssimos admiradores desejosos de se aproximar do esquife. Menos comoção provocou o sepultamento do cantor Chorão. Menos mas não pouca. Foi um dos principais interlocutores de duas ou três gerações de jovens, e isso não é algo que se ignore.

Não invejo, contudo, Chávez ou Chorão pelo legado que deixam, o que é curioso, porque o epitáfio deles poderia ser o mesmo que o que queria para mim. Também amaram e foram amados. No entanto, quando pensei, vinte anos atrás, nessa frase para estar na minha lápide, tinha em mente o amor em uma circunscrição mais reservada, mas de longevidade bem maior. O que eu queria - e quero - era a sensação de descansar das lutas desta vida deixando no coração de algumas pessoas, possivelmente não muitas, um desejo incontido de reencontro e, mais que isso, a certeza dele.

É evidente que não se alcança um tal legado vivendo como se fosse o centro do Universo. É evidente que não se constrói um legado assim alimentando as mesquinharias do ego e as vaidades da alma. É evidente que não se alcança nada disso longe dAquele que pode plantar em nossas obras a semente da eternidade.

Se depois de completada a carreira deste lado da eternidade eu tivesse uma lápide e sobre ela houvesse um epitáfio, gostaria que ali estivesse gravado "amou e foi amado". E que no coração dos que foram amados e amaram ecoasse o sussurro do Pai: "e continuará sendo".

Este é o tipo de legado que gostaria de deixar.

Autoria: Marco Aurelio Brasil

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