terça-feira, 7 de julho de 2015

O ANDARILHO E O VIAJANTE

Sempre fui curioso com muitas coisas. Sempre quis aprender muitas coisas. Conhecer e inquirir, saber até onde poderia chegar, até onde existe para se chegar.

Certa vez encontrei um andarilho que me falou de um lugar distante, de que poucos tinham encontrado e poucos sabiam como chegar. Interessei-me pela descrição do lugar e decidi que seria um desses poucos que lá chegariam, só não sabia como. Foi quando ele prontamente se propôs a me acompanhar. Disse que conhecia muito bem o caminho e que sem ele certamente eu não conseguiria chegar lá. Notei alguns machucados em suas mãos e pés, e as vestes também não eram das melhores. Todavia, algo nele me passava confiança. Entusiasmado, me despedi de amigos e familiares, coloquei minha mochila nas costas e saí, rumo a um lugar desconhecido, mas com boas referências daquele andarilho e de outros que também davam bom testemunho.

Para minha surpresa, logo no início da trilha vi diversos aventureiros seguindo a mesma direção. Parecia que o lugar era realmente bom. Vi pessoas com todo tipo de equipamento e suprimento e percebi que o caminho não seria curto e nem fácil também.

O andarilho me fazia companhia e também conversava com alguns no meio do caminho que lhe davam atenção. Muitos o ignoravam e o achavam meio louco, procurando manter certa distância. Outros pareciam ter mais intimidade com ele.

No segundo dia, ao anoitecer, uma forte chuva desceu, com ventos fortes e trovões. Muitos ficaram assustados e desistiram da viagem. Ligavam para familiares e pediam para que os levassem de volta às suas casas. Outros pegaram carona e também voltaram. Parecia certo não correr tantos riscos por causa de um lugar desconhecido. Mas eu estava entusiasmado e prossegui.

Confesso que fiquei com medo e pensei em desistir também. Mas a companhia do andarilho me dava ânimo e confiança, por saber que tinha um aliado experiente e muito seguro acerca do caminho e do que dele esperar. Mais tarde ele explicara que a mudança repentina do tempo era habitual naquela viagem e seria muito comum ao longo da jornada, o que também me acalmou.

Ao amanhecer, a chuva havia cessado e um dia ensolarado surgia. Com o tempo bom a caminhada parecia ser bem mais rápida, mas a chuva e a ventania geralmente apareciam nos trechos mais perigosos e com mais obstáculos, o que nos obrigava a passar com mais veemência e sem pestanejar, caso contrário, seríamos tragados pelo mau tempo. Quando o medo tentava me dominar eu olhava para a face do andarilho, pois ele sempre apresentava uma expressão de coragem e determinação, como se tivesse controle sobre toda a situação.

E andando contemplei muitas paisagens belas. Umas não tão belas assim. Os dias passavam rapidamente e na medida em que avançávamos, também percebi que o número de viajantes diminuía. Uns paravam a beira do caminho, cansados e decidiam voltar. Lembravam dos amigos, da família, do conforto e bem estar do seu lar. Para que abrir mão de tudo isso por um lugar que ninguém sabia, de fato, como era? Exceto o andarilho que dizia conhecer o lugar. Outros desfaleciam, sempre isolados dos demais, aparentando não conseguir avançar mais e também não queriam ser ajudados. Falavam algo sobre o mérito de conseguir chegar com seus próprios esforços, coisa que não entendi muito bem. Alguns estavam aguentando bem a jornada, até que lhes aparecia um amigo ou parente tentando convencê-los de que era loucura continuar daquele jeito e ofereciam-lhe carona para voltar. Muitos desistiam e voltavam, aparentando certa frustração.

Realmente não era um caminho muito fácil. Os pés doíam muito e o cansaço era contínuo. Não sabia como havia suportado caminhar tanto, naquelas condições. Mas, repito, eu não estava só, o que me motivava sempre a continuar. Não sei de onde saía tanta comida daquela tão pequena mochila que o andarilho carregava. Mas sempre era o suficiente pra nós dois. Imaginava que ele deveria sair nas madrugadas, adentrando nas matas a beira do caminho para colher frutas e encher as garrafinhas de água.

Já fazia muito tempo que estávamos na estrada. Às vezes, pareciam que ela não tinha fim e nunca chegaríamos ao tal lugar maravilhoso. Até que, num belo dia, distraído com a paisagem bucólica que nos cercava, avistei um pequeno jardim a beira do caminho e fiquei tentado a entrar nele para descansar um pouco, já que o jardim era rodeado de árvores frutíferas que faziam uma bela sombra a quem se deitasse em seus pés e no seu recôndito uma pequena fonte, límpida e cristalina. Pensei até ser aquele o lugar que procurávamos. Mas o andarilho afirmava que o lugar que estávamos procurando era incomparável a qualquer outro e não achou uma boa ideia parar. Mas eu insisti. Eu estava muito cansado, com fome e determinado a aproveitar o conforto que aquele pequeno jardim oferecia. Olhei para frente e vi que a estrada parecia ser sempre reta e ele já havia me dito que estávamos a mais da metade do caminho.

Ele insistiu que continuássemos, mas eu estava decidido a parar naquele lugar e descansar. Convidei-o a ficar comigo e descansar também, mas ele se recusou e disse que seguiria em frente. Despedimo-nos enquanto eu o convencia de que o alcançaria mais tarde, pois já saberia o caminho daquele ponto em diante. Confesso que não me senti muito bem com a nossa separação, e o semblante dele não era melhor que o meu.

Eu sempre acreditei que tinha certeza para onde eu estava indo e que não precisaria ter pressa para chegar, porque certamente eu chegaria lá.

A presunção talvez tenha sido minha maior inimiga nesse tempo. Porque achando estar perto, não apressei meus passos e me distraí com a visão das muitas árvores frutíferas naquele pequeno jardim a beira do caminho, seus frutos e suas sombras. Parei, comi e descansei. Sem pressa de continuar. E encontrei nova inimiga: a comodidade.

Assentei-me sob a sombra das árvores, cortei lenha, construí uma cabana e repousei como quem repousa numa casa de verão.

Observei as nuvens e delas recitei provérbios e extraí poesias e canções. Afinal, para que a pressa? O importante é chegar até o fim, e não o chegar primeiro! Encontrei umas poucas ovelhas ao redor do jardim e criei um pequeno aprisco. Agasalhei-me de lã e passei a decorar minha cabana com belos enfeites e adereços. Esqueci-me até pra onde estava indo. Só sentia falta da companhia do andarilho.

Acordei num belo dia e senti dores nas articulações. Minha hérnia de disco começara a incomodar. As pernas já não tinham mais a mesma resistência de quando eu seguidamente trilhava pela apertada e ensolarada estrada. Não havia percebido que eu estava naquele jardim já há muito tempo. Muito tempo, mesmo!

Lembrei-me do meu amigo andarilho e só pensava que ele já teria chegado ao lugar que tanto me falava há muito tempo e que talvez nem se lembrasse mais de mim.

Voltei-me novamente para o caminho, e, ao dar os primeiros passos, a velhice me afrontou. Olhei para trás, para tudo o que eu já havia andado e deixado para trás... como se fora ontem, embora houvesse se passado mais de uma década. Vi pessoas conhecidas andando na estrada, sem saber muito bem para onde ir. Também vi os que nela morriam, sozinhos, encostados em árvores ou pedras. Curiosamente vi alguns poucos que outrora tinha desistido e até alguns da minha casa e da minha cidade, que zombaram de mim quando parti com o andarilho. Avistei alguns que eu sabia jamais chegariam ao final dela, pois que, como eu, terminavam seus dias acampados à beira do caminho, obcecados pela sombra das árvores frutíferas e pelo conforto dos jardins passageiros. E me perguntei se eu, um dia, também chegaria.

Estava ficando velho. A saúde já não era a de um adolescente, como quando comecei a andar pelo caminho. Sabia que precisava retornar à trilha. Mas e a minha cabana? E o meu rebanho? E tudo que construí? Acaso, deveria deixar tudo? Não seria uma atitude irresponsável? Porque comigo certamente não poderia carregar. E passei a ficar dividido entre o lar que eu havia construído naquele lindo jardim a beira do caminho e a incerteza de chegar até o fim daquela pedregosa estrada.

Percebi que, sem a expectativa de chegar ao fim dela, nada do que eu havia construído e nada do que eu havia sacrificado ao longo desses anos todos teria sentido. Só tinha sentido porque havia um fim maior a ser perseguido, embora eu já não soubesse mais qual.

E o que havia, afinal, no fim da estrada? Eu já nem lembrava mais. Por isso mesmo precisava voltar para ela. Para saber por que gastei tanto tempo nela andando. E a saudade do amigo viajante me incomodava mais do que qualquer coisa.

Percebi outro perigo: que o percurso tinha tempo e prazo determinados para ser trilhado, pois que as marcas da trilha sumiriam com o tempo, até que ninguém mais pudesse encontrá-la. Um dos que passara por mim gritava aos demais: “Corramos!”

No meio do caminho, me senti sozinho e com medo. Não estava mais tão certo se ainda estava no mesmo caminho que iniciei. Foi quando tornei a encontrar meu amigo, o andarilho que tanto me incentivou a pegar a estrada. Esteve comigo o tempo todo, até o momento em que parei naquele jardim. De lá ele seguiu viagem e eu fiquei. Quando o vi novamente, era como se ele estivesse ficado atrás daquele jardim o tempo todo, esperando que eu me animasse a pegar a estrada novamente, pois ele a conhecia como ninguém e sabia que sem ele eu jamais conseguiria chegar.

Pedi desculpas por ter me distraído no caminho e estacionado. Atrasei nossa viagem. Perdi momentos maravilhosos ao seu lado. Deixei-o sozinho por muito tempo, pois quis descansar e apreciar aquele jardim. Afinal, eu nunca havia estado num jardim daquele antes.

Ele prontamente sorriu e começou a caminhar comigo, explicando-me os obstáculos que eu ainda encontraria na jornada e também o perigo das distrações à beira do caminho, o risco de jamais chegar ao final. Como eu estava mais velho, sentiria com mais gravidade os obstáculos e teria que ter muito mais paciência do que antes se quisesse ir até o fim.

Andamos por muitos dias, semanas, meses... E mais alguns anos. A noção de proximidade dele não parecia bater muito com a minha. Durante o dia o sol era muito forte e a noite o frio era de congelar, como num deserto. Confesso que sentia falta da comodidade que o jardim me oferecera no tempo em que nele estive. Sua companhia, no entanto, me fazia esquecer o tempo e suas intempéries. Ele me contava muitas histórias sobre o lugar que estávamos procurando, algumas eu até achava que ele inventava só pra me alegrar e dar esperança de continuar. De tão extraordinárias e mirabolantes parecia impossível imaginá-las como sendo reais.

Construímos uma bela amizade, e laços mais fortes que aqueles ditos sanguíneos. Cheguei ao ponto de ousadamente declarar-lhe que sua companhia me fazia tão bem que eu já não me importava mais em chegar rapidamente ao fim daquela estrada. De que o que teria lá poderia até ser maravilhoso, como ele afirmava, mas não saberia se seria melhor do que estar em sua companhia.

Quando finalmente estávamos a uma curta distância do final do caminho, questionei-o: “Afinal, o que tem mesmo no fim dessa estrada?”. E Ele me respondeu: “A minha casa”.

Chegando lá, apresentou-me seu pai e pediu que eu ficasse com ele, fazendo-lhe companhia, mas que não me preocupasse, pois que a companhia de seu pai era tão boa quanto a dele. Indaguei aonde ele iria, e ele me respondeu que percorreria todo o caminho que fizemos novamente, convidando outros para se juntar a nós, antes que a trilha desaparecesse.

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Pr. Leandro Dorneles

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