Ao anoitecer de um sábado, um rabi, mestre de invejável cultura e admirável bondade, entretinha-se na escola pública ensinando a Santa Lei a seus discípulos, sem imaginar que em sua casa, a tristeza e o luto haviam se hospedado.
Dois de seus filhos haviam morrido enquanto trabalhavam, pastoreando ovelhas no alto de um monte e a mãe chorava inconsolável, aos pés dos dois cadáveres. Mesmo petrificada pela dor, vinha-lhe à mente o pobre e idoso marido, cuja saúde a preocupava tanto, que logo iria defrontar o tremendo espetáculo.
O respeito à vontade divina e a caridade de esposa deram-lhe, porém, grande força de alma.
Cobriu com um lençol os filhos e, orando, pôs-se a esperar o marido.
À noite, mal entrou em casa, o marido indagou pelos filhos. A esposa, com o rosto lavado de lágrimas, desviou dele seus olhos e, com uma desculpa qualquer, serviu-lhe o vinho e o círio para a prece. O marido cumpriu o ato religioso e insistiu em saber dos filhos. Com mais uma desculpa, a mulher ofereceu ao marido, há muitas horas em jejum, umas fatias de pão. O marido provou um pedacinho e a questionou porque parecia tão triste.
Armando-se de coragem, com um respirar profundo a esposa disse:
- Eu, meu marido, preciso muito de um conselho teu. Já a algum tempo, um nosso amigo me procurou e deixou sob minha guarda algumas joias, extremamente valiosas. Veio hoje reclamá-las. Ai de mim! Não contava que viesse tão cedo. Devo restituí-las?
- Ó minha esposa! Estou a desconhecer-te! Essa sua dúvida é pecaminosa!
- Mas já me afeiçoei tanto a elas...
- Não te pertencem!
- Queria-lhes tanto bem... Talvez tu também...
- Ó mulher! - exclamou atônito o marido. Que dúvidas essas suas! Que pensamentos! Querer apropriar-te do que não te pertence, sonegar um depósito, coisa sagrada!
- É assim que pensas? balbuciou a esposa, chorosa.
Enxugando os olhos e novamente buscando forças em seu coração, disse a mulher:
- Muito preciso de teu auxílio para fazer esta dolorosa restituição. Vem ver as joias depositadas, que ambos fomos chamados a restituir.
Suas mãos geladas tomaram as mãos do marido e o levaram ao quarto onde os filhos se encontravam. Ergueu os lençóis e disse:
- Aqui estão as joias. Reclamou-as Deus!
Em sua mútua dor, um encontrou no outro o ombro para chorar e aceitar, com resignação, os insondáveis (mas sempre misericordiosos) desígnios de Deus.