Minha mente viaja no passado, navega nos idos anos da minha meninez... Conduz-me até a infância - tempo incomparável - me leva até meu pai, que a saudade (em vislumbres) insiste em me fazer ver...
No farol, lá está meu velho a cumprir sua rotina de vigilância: ele é íntegro, seguro, uma referência... embora solitário, como o próprio farol.
Meu pai se orgulha de ser quem é, ele é a luz dos mares, a bússola dos navegantes, a última esperança para os nautas apavorados e perdidos... Ele é quem mantém o foco luminoso da sinaleira, por isso, se sente o próprio farol, naquelas densas noites sem lua e sem estrelas...
Mas durante o dia, que agonia! quanto tédio ficar ali, mas isso foi até o dia em que eu cresci um pouquinho, e pude acompanhá-lo, e a minha presença fez meu pai aprender a sorrir...
Meu pai tinha muitos planos que me envolviam: sonhava em me fazer um comandante do mar, e fez pra mim um barquinho maneiro, e me ensinou as primeiras braçadas com o remo, para então eu saber como ir, como também saber voltar.
Ali da passarela de acesso ao farol, me aguardava ansioso, e quando me avistava era uma festa de arrepiar... Ah, que ternura! que amor imenso, e que cangote gostoso pra me carregar... O resto do dia era só chamego, e ele, inspirado e contente, me ensinava outra arte: traduzir com os dedos as emoções que é do peito, que se tornavam em canções de ninar... e de amar.
Tempos depois ganhei uma lancha, depois um pesqueiro, e ai um pequeno iate, em seguida um maior... e eu também já era grande, um rapazote apaixonado, inteiramente apaixonado, a navegar...
Não demorou e eu já tinha um navio (meu pai era incrível na arte de negociar, e eu, na arte de aprender pilotar), e cada vez navegava mais longe, e quanto mais longe, mais demorava a voltar...
Imagino a angústia do meu paizinho, novamente sozinho, de dia na plataforma, esperando notícias, com o olhar perdido no horizonte, e a noite no seu farol, emitindo sinais pra que eu o encontre... Mas eu estava afastado demais... há dias, meses e anos de distância... e o meu pobre pai, ainda me esperando.
Ah, que vontade revê-lo! preciso ir, preciso arranjar um jeito, e decidido fui (os compromissos que me perdoem), meu pai necessita muito mais de mim e dos meus zelos.
Avisto o farol, mas cadê meu velho? Acostumei tanto a retornar e vê-lo, mas desta vez só o vazio me recepcionou, tão cruel e frio...
Cartas pelo chão, a plataforma parece longa demais... Cadê meu pai? Cadê seu grito de euforia e boas-vindas? Cadê seu sorriso? Cadê seu colo? Cadê seu semblante sereno e bonito!!! Cadê?
O farol está triste, meio apagado, meio de luto... Meu pai deitado, fraco, febril, quase se despedindo... Que cena lastimável, que dor, que pavor repentino... o que fazer, meu Deus? como agir? Socorre-nos, oriente-me, abraça-nos com Teu imenso Amor Divino.
Orei... Deus me deu forças. Papai ao me ver esboçou um sorriso, ajoelhei ao seu lado, e me senti outra vez seu menino...
Vamos pai, levante-se! quero recuperar o tempo perdido, voltar a ser como antes - concluir a canção de nossas vidas, escrever novos versos e compor a melodia mais linda... que já é um sucesso!!!
Toque o piano ai, pai, deslize seus velhos dedos com toda a leveza do seu ser... dedilhe seu amor, tire o som do seu coração... Toque pai! toque ai... PAI? PAPAI? Não me deixe por favor, abra os olhos, abra os olhos... PAI!!! (...)
Enfim o verão, o inverno se foi - é vida que segue - é preciso continuar navegando... é preciso ensinar os caminhos do mar...
Novas gerações chegam, outras se vão, mas o farol continua ali, imponente, dando luz pra gente, e iluminando com lampejos a escuridão...
Meu herdeiro precisa saber disso: o marujo precisa do mar como também precisa do farol. Meu filho vai, e eu fico... fico aqui a zelar pelas suas noites escuridão afora, e a esperá-lo voltar quando quem lhe orienta é o sol.
"Barcos maiores vão cada vez mais longe... e quanto mais longe, mais se demora a voltar. A gente cresce, e assim a vida segue..."
""Apegue-se à instrução de seu pai, não a abandone; guarde-a bem, pois dela depende a sua vida" (Provérbios 4: 13)
Cícero Volney
Fonte: http://www.webservos.com.br/
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